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5 Estratégias para a prevenção de comportamentos inadequados em crianças autistas

Introdução

Quando nos deparamos com comportamentos inadequados em crianças autistas, como agressividade, autoagressão, crises de choro prolongadas ou isolamento extremo, é crucial entender que raramente se trata de “mau comportamento” intencional. Essas manifestações são, na maioria dos casos, a única forma que a criança encontra para expressar necessidades não atendidas, desconfortos ou dificuldades de processamento sensorial e emocional.

Como pais, profissionais da educação ou cuidadores, nosso desafio vai além da simples contenção desses comportamentos. Precisamos adotar estratégias para a prevenção dos comportamentos inadequados que atuem na raiz do problema, criando ambientes e relações que minimizem as situações de estresse antes que elas se tornem crises.

Neste artigo, vamos explorar abordagens práticas e cientificamente embasadas para construir um cotidiano mais harmonioso com crianças no espectro autista. Vamos mergulhar neste tema com a profundidade que ele merece, sempre com um olhar prático para que você possa aplicar esses conhecimentos imediatamente em sua rotina profissional ou familiar.

Entendendo os comportamentos inadequados

Antes de abordarmos as estratégias, é importante entender as funções dos comportamentos inadequados. Comportamentos como birras, agressões ou auto agressões podem ser respostas a situações que a criança não consegue verbalizar.

Esses comportamentos geralmente têm uma função, seja obter atenção, escapar de uma tarefa ou expressar frustração. A primeira etapa no manejo desses comportamentos é realizar uma análise funcional para identificar a função subjacente.

Pesquisas na área de Análise do Comportamento Aplicada (ABA) mostram que os comportamentos inadequados geralmente servem a quatro funções principais:

  1. Fuga/esquiva: A criança tenta se livrar de uma situação ou demanda desagradável
  2. Busca por atenção: Necessidade de interação, mesmo que negativa
  3. Acesso a itens ou atividades: Tentativa de obter algo desejado
  4. Autorregulação sensorial: Maneira de regular estímulos internos

Um estudo publicado no Journal of Autism and Developmental Disorders (2018) demonstrou que em 68% dos casos analisados, os comportamentos inadequados estavam diretamente relacionados a dificuldades de comunicação. Quando implementaram sistemas alternativos de comunicação, observaram redução média de 42% nos episódios de comportamento desafiador.

Estratégias para a prevenção de comportamentos inadequados

Estratégia 1: rotina visual lúdica

A primeira estratégia que vamos discutir é a criação de uma rotina visual. Ter uma rotina estruturada é crucial para crianças autistas, pois proporciona previsibilidade e segurança. No entanto, é vital que essa rotina seja lúdica e adaptada às preferências da criança.

Quadro de rotina
  • Pistas visuais: Utilize imagens, símbolos ou fotos que representem as atividades do dia. Isso ajuda a criança a visualizar o que vem a seguir.
  • Atividades alternadas: Intercale atividades prazerosas com aquelas que exigem mais esforço ou são menos agradáveis. Isso mantém a criança engajada e reduz a probabilidade de resistência.
  • Participação da criança: Ensine a criança a usar a rotina, permitindo que ela escolha as atividades e participe ativamente do processo.
  • Quantidade de símbolos: Para crianças que ainda não têm habilidade de discriminação visual, mantenha o número de símbolos limitado para evitar sobrecarga de informações.

Estratégia 2: Criando espaços que previnem crises

A organização física do ambiente é nossa primeira aliada na prevenção dos comportamentos inadequados. Crianças autistas frequentemente se beneficiam de:

  • Zonas claramente delimitadas: Use tapetes coloridos, móveis ou faixas no chão para marcar áreas específicas (cantinho da leitura, espaço de trabalho, área de descanso). Isso reduz a ansiedade por imprevisibilidade.
  • Controle de estímulos sensoriais: Observe quais aspectos do ambiente podem estar sobrecarregando a criança. Luzes fluorescentes piscando? Ruídos de fundo constantes? Muitas pessoas falando ao mesmo tempo? Pequenos ajustes podem fazer grande diferença.
  • Sinalização visual: Painéis com rotina, etiquetas em armários e prateleiras, cartões de transição entre atividades. Esses recursos dão autonomia e previsibilidade.

Estratégia 3: reforço não contingente

A segunda estratégia é o reforço não contingente, que se baseia na ideia de que, ao fornecer à criança acesso a reforçadores, como atenção ou brinquedos, de forma não contingente, podemos reduzir a necessidade de ela se engajar em comportamentos inadequados para obtê-los.

  • Atenção regular: Programe momentos ao longo do dia para interagir com a criança, independentemente do que ela está fazendo. Isso reduz a motivação para chamar atenção através de comportamentos inadequados.
  • Brinquedos e atividades: Ofereça acesso a itens ou atividades que a criança gosta, de forma que ela não sinta a necessidade de se comportar de maneira inadequada para obtê-los.
Mãe interagindo com o filho em climaharmonioso em um espaço agradável e com brinquedos que a criança gosta.

Estratégia 4: evitar excesso de estímulos

A terceira estratégia envolve a evitar estímulos que podem desencadear comportamentos inadequados. Isso é especialmente útil no início da intervenção, quando a criança ainda está aprendendo a regular suas emoções e comportamentos.

  • Identificação de gatilhos: Observe os momentos em que a criança tende a se comportar de maneira inadequada e evite esses estímulos sempre que possível.
  • Planejamento de rotas: Se uma criança se comporta de maneira inadequada ao passar por um local específico, como uma sorveteria, ajuste a rota para evitar essa situação.

Estratégia 5: precursores das crises

A última estratégia é focar nos precursores dos comportamentos inadequados. Muitas vezes, há sinais que precedem os comportamentos problemáticos, como resmungos ou expressões de frustração. Identificar e intervir nesses momentos iniciais pode prevenir a escalada para comportamentos mais intensos.

  • Intervenção Rápida: Se a criança começa a mostrar sinais de desconforto, intervenha prontamente. Pergunte se ela precisa de uma pausa ou se gostaria de fazer uma atividade diferente.
  • Treinamento de pedidos: Ensine a criança a pedir ajuda ou fazer uma pausa quando sentir que está prestes a ficar sobrecarregada.
Mão dando suporte emocional para seu filho autista.

Intervenções em tempo real: como agir durante episódios de comportamentos inadequados

Mesmo com todas as estratégias preventivas bem implementadas, é natural que alguns momentos de crise ainda ocorram. Quando isso acontece, nossa resposta imediata pode fazer toda a diferença entre uma situação que se resolve rapidamente e um episódio prolongado e traumático. Veja como agir com eficácia:

1. Mantenha a calma: o poder da regulação emocional do adulto

O sistema nervoso das crianças autistas é altamente sensível ao estado emocional das pessoas ao seu redor. Quando você respira fundo, fala em tom baixo e mantém uma postura tranquila, está enviando sinais não verbais de segurança que ajudam a criança a começar seu próprio processo de regulação. Lembre-se: sua serenidade age como um “termômetro emocional” para a criança.

2. Priorize a segurança física: criando um ambiente protegido

Em momentos de crise, o primeiro passo prático é garantir que o espaço esteja seguro:

  • Remova rapidamente objetos que possam causar dano (vidros, itens pontiagudos, móveis instáveis)
  • Se a criança estiver se batendo ou se machucando, use almofadas ou cobertores macios para criar uma barreira de proteção
  • Garanta espaço físico suficiente para que a criança não se sinta encurralada, mas mantenha-se próximo o suficiente para intervir se necessário

3. Validação emocional: a chave para reduzir a intensidade

Frases como “Vejo que você está muito bravo agora” ou “Isso parece realmente difícil para você” cumprem três funções essenciais:

  1. Ajudam a criança a se sentir compreendida
  2. Dão nome às emoções intensas, facilitando o processamento
  3. Estabelecem uma conexão emocional que pode diminuir a escalada do comportamento

Importante: a validação não significa concordar com o comportamento inadequado, mas reconhecer a experiência emocional por trás dele.

4. Oferta de apoio: encontrando o equilíbrio entre presença e espaço

Algumas crianças precisam de proximidade física durante a crise (“Quer um abraço?”), enquanto outras necessitam de distância (“Vou ficar aqui perto, me chame quando precisar”). Observe os sinais não verbais:

  • Se a criança se afasta ou cobre os ouvidos, respeite a necessidade de espaço
  • Se busca contato visual ou se aproxima, ofereça presença calmante
  • Evite toques não solicitados, que podem aumentar a sobrecarga sensorial
Mãe dando suporte emocional a sua filha autista em momento de crise.

5. O momento certo para a racionalização: entendendo a janela de aprendizado

Durante o pico da crise, quando o sistema nervoso está em estado de alerta máximo, tentativas de explicação lógica (“Você não pode bater nas pessoas!”) ou negociações complexas são ineficazes. O cérebro simplesmente não consegue processar informações nesse estado.

Espere até observar:

  • Respiração mais lenta
  • Relaxamento da tensão muscular
  • Retorno do contato visual
  • Capacidade de responder a perguntas simples

Só então você poderá:

  • Revisar o que aconteceu (usando linguagem concreta)
  • Ensinar alternativas (“Da próxima vez, você pode…”)
  • Reforçar comportamentos positivos (“Gostei muito quando você…”)

Lembre-se: cada crise superada com apoio adequado é uma oportunidade para a criança desenvolver melhores estratégias de autorregulação no futuro.

Exemplo Prático:
Quando Lucas, 9 anos, começou a jogar materiais no chão durante uma atividade na sala de recursos, sua professora:

  1. Respirou fundo e abaixou-se ao seu nível
  2. Retirou discretamente a tesoura da mesa
  3. Disse: “Lucas, você parece frustrado com essa tarefa”
  4. Ofereceu: “Quer fazer uma pausa no cantinho da calma?”
  5. Esperou 3 minutos até ele começar a balançar menos os braços
  6. Só então propôs: “Vamos tentar juntos de outro jeito?”

Essa abordagem reduziu a duração da crise de 15 para 4 minutos, e após algumas semanas, Lucas começou a usar sozinho o cartão de “pausa” antes que o comportamento escalasse.

Considerações finais

A prevenção de comportamentos inadequados em crianças autistas não é uma tarefa simples, mas com estratégias adequadas, é possível criar um ambiente mais harmonioso e positivo. Lembre-se de que cada criança é única e pode responder de maneira diferente a cada estratégia. É importante ser paciente e flexível, adaptando as abordagens conforme necessário.

Trabalhar com estratégias para a prevenção dos comportamentos inadequados requer uma mudança de paradigma, deixamos de reagir a crises para construir ambientes onde elas sejam menos frequentes e intensas. Como mostram os dados, intervenções preventivas reduzem significativamente os comportamentos desafiadores enquanto aumentam a qualidade de vida da criança e de todos ao seu redor.

Esta abordagem proativa demanda investimento inicial de tempo e energia, mas os resultados – crianças mais reguladas, ambientes mais tranquilos e relações mais positivas – valem cada esforço. Se você deseja aprofundar seus conhecimentos sobre autismo e estratégias de intervenção, não hesite em acessar recursos adicionais, como o site Autismo em pauta.

Essas estratégias, quando combinadas com ensino de habilidades e manejo das consequências, podem levar a resultados significativos e duradouros. O mais importante é sempre estar atento às necessidades da criança e adaptar as abordagens conforme necessário.

Referência Bibligráficas

AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION. DSM-5: Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais. 5. ed. Porto Alegre: Artmed, 2014.

SCHMIDT, C. et al. “Effective strategies for challenging behaviors in autism”. Journal of Autism and Developmental Disorders, v.48, n.9, p.3042-3054, 2018

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Quem escreve
Lídia Maria - fundadora e redatora do blog.

Lídia Maria Lima

Fundadora do Blog e Escritora

Educadora, escritora e defensora da inclusão, Lídia é pedagoga com especialização em Psicopedagogia Clínica e Institucional. Com um coração dedicado ao universo atípico, transforma sua expertise acadêmica e vivência pessoal em pontes de compreensão e acolhimento.

Mãe de Maya Louise, uma menina de 3 anos cheia de luz (TEA Nível 2 de suporte), e de Luís Otávio, adolescente de 16 anos autista (Nível 1), ela conhece na prática os desafios e triunfos da neurodiversidade. No blog Autismo em Pauta, Lídia compartilha conhecimento, experiências e esperança, um farol para famílias e autistas que buscam informações e acolhimento.

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